Recomeçar.

Recomeçar.



Parem um segundo!
Literalmente. Por favor.

Contem lá quantas vezes já se queixaram hoje por coisa nenhuma? E eu falo só de hoje.
Pensaram? 
Muitas, né?
Este café hoje está uma porcaria e paguei 5.- por ele. O teu filho manchou-te a tua melhor camisa com as mãos mais gordurosas que possam imaginar (mas porque só te queria dar um abraço). Foram ao supermercado devolver castanhas que estavam completamente podres quando as queriam cozinhar...e muitas outras coisas estupidas. Muitas. 
Chato, certo?
Mas não é o fim do mundo. Nunca será.

O Joao e a Maria viviam lá longe. Num país distante.
Não eram ricos, também não eram pobres. Levavam a sua vida honestamente. Tinha cada um a sua casa, a sua vida tranquila. Os seus amigos, os seus livros, as suas plantas, as suas fotos. Recordações de uma vida.
Ele, socorrista de ambulancia durante anos em tempos de juventude. Ela, uma vida dedicada à psicologia. Tinham-se um ao outro. Apenas. A vida, essa, já lhes tinha levado outros mais próximos.

De um segundo para o outro, o terror invade-lhes a vida. O seu canto seguro, o único que eles conheciam, desaparece mesmo à frente dos seus olhos.
Aquilo que tinham por certo, ainda que em idade avançada, deixou de existir.
As recordações de uma vida cabiam agora dentro de um saco de supermercado.


Já se imaginaram a pôr a vossa vida num saco de plástico e partir? Sem saber o destino? Sem saber onde vão dormir, onde vão comer, sem saber patavina do que vai acontecer amanhã?
Onde estarão os nossos?
Dificil imaginar.

Quis o destino que o João e a Maria chegassem a porto seguro. Depois de muito medo, depois de muitas lágrimas, depois de muita coisa que viram e que ninguém devia ver.
Chegaram, seguros. A outro país. 
Mas desenganem-se se pensam que agora é mais fácil. 
Que diriam voces se não percebessem nada da língua? Que diriam vocês se não conhecessem absolutamente nada nem ninguém? Onde faltassem os cheiros a que estiveram habituados uma vida inteira? Onde faltasse alguém com quem falar? Onde o tempo corre muito devagar porque, apesar de quererem agarrar o touro pelos cornos, a idade e a doença já não permitem grandes bravuras.

Recomeçar.
A viver.

E nós aqui, muitas vezes, preocupados com o nosso pequeno pequeno pequeno umbigo.

O Joao e a Maria são, na verdade, Igor e Ludmila.
São pessoas reais. 
Ela adora cantar. Ele adora os Queen. 
Nunca lhes vi nos olhos o sentimento de desistência. Nunca.
E, com o maior orgulho, posso chamá-los de amigos.

Um dia levámo-los lá.
Se eles quiserem.

E, já agora, acabaram de conseguir um cantinho para eles.
Deus não falha.

Continuemos.
SM







Comments

Popular posts from this blog